domingo, 23 de outubro de 2016

MEL

Mel era seu nome.
Um garoto doce como o demônio. Um gentleman.
A primeira vez que nos vimos, ele foi muito educado, como há muito tempo eu não percebia uma pessoa assim. Especial.
Mel não era de falar muito. Na grande maioria das vezes apenas escutava as conversas e se ria muito das coisas engraçadas que minha família soltava hemorragicamente.
Mas se ria de uma maneira engraçada, sacudindo o corpo todo, com sua cabeça balançando no sentido vertical, como aqueles cachorrinhos de mentira que os taxistas colocam no carro junto ao painel, com a cabeça solta que se movimenta ao balançar do veículo. Ele ria assim.
Às vezes também se ria descompassado, fora de hora, antes do desfecho da situação, assim como que para agradar... achávamos estranho, mas atribuíamos à grande pressão que era enfrentar uma família como a nossa, ácida e sarcástica. E ele tão bonzinho... fingíamos que a risada vinha na hora certa e ríamos também com sorrisos amarelos para acompanhar. Afinal de contas não é interessante deixar ninguém sem graça na nossa própria casa, ainda por cima um rapaz tão direito, que só quer ficar junto da gente, assim como a mariposa de ontem em cima da TV. Deixamos ela lá e respeitamos a sua vontade e a sua companhia, muito embora ela tenha perdido o seguimento da novela.
Bom, ele ria... e ria com muito mais sacode se no meio das frases a gente salpicasse referências picantes. Para ele a palavra sexo era extremamente gozada - se me permitem o trocadilho. A coisa podia não ter graça nenhuma, mas se tivesse sacanagem ele ria de um modo romanesco, e se sacudia até lhe faltar o ar. Aí vocês vão me desculpar, mas não dava pra acompanhar. Apenas ficávamos olhando e esperando a crise semi-convulsiva terminar. Num estado pós-comicial nem dava para conversar com Mel, de tão empolgado que ficava com as palavras cú, sexo, trepada, etc. Era quase tão bom para ele quanto comer chocolate.
Mel dizia que queria ser parte de nossa família. Se agarrou na possibilidade de então convencer a minha irmã de que ele era um porra de um homem bacana.
Não era. Mas isso vou explicando conforme evolução textual.
Como falei anteriormente, Mel fazia de tudo para se entrosar na família. Muito embora não conseguíssemos digerir Mel, ele acabou convencendo a minha irmã e minha mãe e com o tempo até eu o tolerava.
É certo que não tínhamos muito assunto com Mel. A conversa não fluía. Ele não era conhecedor exímio e nem superficial de nada. Nunca tinha assistido a um balé, vejam só. Não conhecia música nenhuma, só as da moda, e não era inteirado de absolutamente nada. Não tínhamos nada em comum. Mas quando ele estava presente era só soltar um "buceta" sem contexto mesmo, que Mel já se sentia em casa. Relaxava e ria como ninguém, com fáscies debilóide. Mas atribuíamos tudo isso ao seu estilo simplório, apesar de ter sido educado com pompa e circunstância, nas melhores escolas.
Como pode um cara que teve condições, chegar à sua meia idade na mais completa ignorância? Para mim isto era teoricamente impossível, alguma coisa o cara tinha que ter aprendido... mas quando conheci Mel, vi que o tolo acha o seu caminho entre as florestas desertas do seu cérebro desprovido de neurônios.
E Mel foi se infiltrando na nossa família. Eu, minha irmã e meu pai sempre nos referíamos a ele em particular como o Mel (de Melda). Mas acabamos tolerando o sujeito. Quando nos reuníamos em família sentávamos longe dele para não ter que travar nenhuma conversação ignorante. Ele não sabia nada de nada. E o pior é que Mel tinha dinheiro, gostava de se tratar bem, frequentava bons restaurantes, ia ao cinema, teatro, mas não entendia nem as comidas e nem o contexto da sua própria vida. Pois é... Deus dá asas para cobra. E a cobra era dotada de um analfabetismo funcional sem precedentes.
Os meses se passaram e Mel foi conquistando a confiança de todos. Que fique bem claro que confiança não tem nada a ver com respeito.
Quando fez 1 ano de namoro, sempre tratando muito bem a minha irmã, ele veio com uma conversa de casamento.
Mel já fora casado. Tinha uma ex-mulher que metera-lha um belo par de chifres. Saía para fazer jogging completamente maquiada e de longo, comportamento que repetiu exaustivamente até Mel perceber que alguma coisa estava errada... afinal de contas não se corre de salto alto. Ele demorou uns meses, mas flagrou. E toda a sua raiva o fazia bufar, assim como meu cachorro faz quando está feliz...
Separaram. Da pior forma, com um acerto de pensão bilhardária para a ex-mulher, a dos cornos, e os dois filhos. O pior é que era uma garota de boa família e ninguém na comunidade entendeu o por quê de tanta traição. Foi estranho. E mesmo após a pensão fantástica e a traição e o fato de os dois pombinhos só se falarem através de advogados, Mel eternamente continuou se referindo a sua ex-mulher como a "mamãe". Estranho né? Porque se fosse comigo eu ia falar, aquela mulher, ou chamá-la pelo nome, ou me referir a ela, para os filhos, como a vagaranha da sua mãe! E pior, após uns 6 meses de toda a traição, a mulher já estava casada com o amante, quando Mel tentou desesperadamente voltar para ela, para a mamãe. Cada um tem os seus motivos... não vou comentar, mas que foi estranho foi. A mamãe.
O fato é que Mel tentou casar com a minha irmã. Foram ver o rabino, avisaram para a família, comemoramos com alegria por cerca de 2 semanas e aí... Mel esqueceu! Não falou mais no assunto. É certo que minha irmã nunca escondeu de Mel que gostaria de ter sua própria família... e Mel sempre foi entusiasta do casamento, de refazer sua vida, ou pelo menos era isso que ele alardeava.
Alguns meses mais se passaram... Mel até tentou me apresentar para dois de seus amigos solteiros. Um com problemas mentais e o outro melhor nem comentar. Bom, o outro- não me aguento - era um véi sem vergonha, que praticamente babava, e com 50 e poucos anos se comportava como um adolescente com problemas na estrutura elétrica da sua rede de neurônios. Existe aquele ditado do diga-me com quem andas e blá blá blá... relevamos. Não devíamos ter ignorado.
Quando fizeram um ano e meio de namoro, Mel se lembrou de que queria casar com minha irmã. De novo, reuniu toda nossa família, fez o pedido para meu pai e comemoramos com a maior alegria. Apesar de toda a sua deficiência mental, Mel tratava bem a minha irmã que de certa forma orientava o relacionamento da forma mais saudável possível. Ele parecia semi-normal. E ela estava feliz.
Concordamos todos que seria bacana para ambos.
Marcaram com o rabino.
O rabino que não é idiota, foi logo falando que o tempo dele era precioso e se fosse alarme falso como o de 6 meses atrás, ele ia ficar muito puto da vida. Mel jurou que desta vez era muito sério.
Entraram com a documentação e marcaram a data.
E em algumas semanas Mel surtou.
Inicialmente Mel nos contou que estava enfrentando problemas no trabalho, que a vida estava difícil e que ele estava muito deprimido...
Meu pai, preocupado com o futuro genro, chamou-o para uma conversa, deixando bem claro que agora éramos da mesma família, e que estávamos juntos nessa jornada, para o que der e vier.
Mel não tinha nenhum pudor em dispor do tempo das pessoas. Ouviu meu pai, ligou para mim, pedindo referências de psiquiatras para cuidar de sua loucura... e um belo dia foi dormir na casa da sua mamãe. Da mãe dele mesmo.
E sumiu.
Minha irmã ficou desesperada pois gostava de Mel e queria muito lhe ajudar.
Mas Mel não dava notícias. Sua mamãe também não ajudava na comunicação nem sua irmã, nem o resto da porra da sua família. Minha irmã até perguntou se ele já havia tido crises semelhantes anteriormente, mas a família negava de pé junto que não, que era a primeiríssima vez.
Até que dois dias após sua internação na mamãe, Mel inicia a sua exclusão de pessoas no seu Facebook, iniciando advinha por quem? Isso!! Pela minha irmã!! A sua noiva!!
Véi, você não precisa casar se não quiser, mas quando você faz 50 nos e pede alguém em casamento, o mínimo que se espera quando você desiste, é que você seja HOMEM e tenha atitudes adultas. Excluir do Facebook véi??? Isso é adulto véi??? Tenha santa paciência!
Quado ficamos sabendo disso, eu não aguentei e liguei pro véi doido. Afinal de contas ele havia me ligado para pegar referências de psiquiatras e eu me senti completamente a vontade para ligar de volta e ver se a maluquice havia apresentado alguma melhora.
Então liguei. Conversa vai e conversa vem, ele com a voz meio enrolada me diz que está melhor, tomando remédios fortíssimos. E quando eu falei que ele havia excluído a sua noiva do Facebook ele me disse que fora um erro do sistema, completamente acidental. Difícil de acreditar, mas fui levando. Lá pelas tantas, perguntei se ele havia falado com a minha irmã que estava preocupadíssima com a sua doença... e ele me responde que não falava com ela há 2 dias.
Fiquei surpresa e perguntei se estava tudo bem entre eles, se o casamento estava de pé, e ele me respondeu simplesmente que "sabe o que é... é que eu dei uma 'piradinha'... e não sei se eu quero mais casar".
Véi, ele falou isso pra mim! Antes de falar pra ela!!
Olha eu sou calma até certo ponto, mas não gosto de putaria com a minha família.
No que eu ouvi que ele deu uma "PIRADINHA", imediatamente eu respondi: piradinha o seu cú! Você tem 60 segundos desligando o telefone de mim, para ligar pra minha irmã e conversar com ela, seu piradinho de merda.
Aí ele ligou e terminou com ela POR TELEFONE!! Um senhorzinho de 50 anos, terminando um noivado por telefone!
Aí ligou pra mim e disse que meu telefonema foi muito ruim para ele e que ele se sentiu pressionado a terminar e que não queria terminar... uma logorréia sem fim. Aí tive que novamente dizer ao piradinho de merda que não mandei ele terminar, mas sim conversar. No que ele liga de novo pra minha irmã e desdiz tudo. E mais a noite liga de novo e reafirma que quer mesmo terminar.
Agora eu pergunto: dá pra respeitar um porra desses?
Descobrimos alguns meses depois que esse Melda sempre foi um Melda. Que tem crises depressivas com frequência, que trabalha administrando lojinhas que o pai montou para ele, que nunca conseguiu nada por esforço próprio, que é um eterno dependente do pai rico que inclusive paga a tal da pensão trilhardária para a "mamãe", sua ex-mulher, aquela dos cornos.
A ex-mulher também utiliza os seus trabalhos de manobrista e caroneiro fazendo-o conduzir seus filhos quer seja dia dele de ficar com os meninos quer não.
Diga-se de passagem que mamãe casou com o amante, o qual é casada até hoje, e tem 2 filhos pequenos com ele, além de ter educado com excelência os dois filhos de Mel que são ótimos alunos, inteligentes, educados e cultos, em nada lembrando o comportamento rotineiro de Mel nem a sua falta de bagagem cultural.
Chegamos a conclusão de que mamãe deve ser uma ótima pessoa.
E Mel continua sumido.
Os poucos pertences que minha irmã havia deixado em sua casa ele devolveu amarfanhados, em péssimas condições. Parece que com raiva, Mel amassou tudo e devolveu na portaria do prédio de nossa outra irmã. Agora eu pergunto: raiva de que? Com que direito Mel sente raiva?
Mel ainda tentou um recomeço. Queria recomeçar "beeemmm devagarinho". Minha irmã, que estava com a alma em pedaços até concordou... aí Mel ligou para ela por 3 dias seguidos e nunca mais apareceu. Deve fazer parte do recomeço "beeemmmm devagarinho" dele.
Mel é doido. E escrevo este texto para lembrar do quanto estamos sujeitos a conhecer e confiar em gente maluca.
Para nos protegermos fizemos um voodoo de Mel. Está na casa da minha outra irmã, no hall de entrada. E sempre vamos lá damos mais uma apertadinha na corda que Mel usa em torno do pescoço.
Só para garantir.

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